26/12/2019
O Jornal Valor Econômico publicou, nesta quinta-feira (26/12/2019), o artigo “O FUNRURAL e a exportação indireta” escrito pelo nosso sócio Luiz Henrique Nery Massara, em coautoria com Renata Andrade Vilela, advogada especialista em direito tributário na área do agronegócio.
Veja a íntegra do artigo:
O Funrural e a exportação indireta
Por Luiz Henrique Nery Massara e Renata Vilela
As pessoas físicas ou jurídicas empregadoras que se dedicam à atividade de produção rural podem optar pelo recolhimento da contribuição social incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, comumente designada FUNRURAL, em substituição às contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários de que tratam os incisos I e II do artigo 22 da Lei nº. 8.212/1991.
Desde a Emenda Constitucional nº. 33/2001, o artigo 149, §2º, inciso I, da Constituição Federal contempla a imunidade das contribuições sociais incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação, regra que visa tornar mais competitivo o produto nacional no comércio internacional, evitando-se a exportação de tributos. Assim, o FUNRURAL, na condição de contribuição social, não poderia ser exigido sobre tais receitas.
Ocorre que a Instrução Normativa nº. 971/2009, da Receita Federal do Brasil, limita a abrangência da referida imunidade no que diz respeito às contribuições sociais incidentes sobre a atividade rural, restringindo-a tão somente à receita decorrente da produção comercializada diretamente entre o vendedor e o seu adquirente no exterior (exportação direta).
Em virtude disso, o FUNRURAL tem sido exigido sobre as receitas auferidas pelos produtores rurais com a exportação de seus produtos realizada por intermédio de “trading companies” (exportação indireta).
Porém, a interpretação restritiva conferida pela Instrução Normativa nº. 971/2009 da Receita Federal do Brasil revela-se absolutamente ilegítima.
O referido ato normativo viola claramente o Princípio da Legalidade, pois estabelece restrição não contida no texto constitucional, posto que a norma de imunidade inserta no artigo 149, §2º, inciso I, da Constituição Federal não excepciona qualquer modalidade de exportação, seja ela direta ou indireta, sendo aplicável a máxima do Direito de que onde o legislador não restringe não cabe ao intérprete restringir.
Também ofende o Princípio da Legalidade por estabelecer restrição da regra de imunidade que não se compatibiliza com a finalidade (teleologia) da norma constitucional, qual seja, aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, por meio da desoneração tributária na exportação. Importante destacar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a interpretação das normas constitucionais de imunidade tributária deve ser realizada com vistas a alcançar a maior amplitude possível, para que se concretize a finalidade almejada pela Constituição Federal.
Se não bastasse, ainda há violação ao Princípio da Isonomia, posto que impedir o alcance da regra imunizante nas exportações indiretas representa beneficiar os produtores rurais que possuem ampla estrutura e condições de exportar diretamente sua produção, em detrimento daqueles que também objetivam comercializar sua produção no exterior, mas que não possuem condições de fazê-lo sem a intermediação de uma “trading company”, provocando situação de desigualdade em circunstância de equivalência que exige a aplicação da mesma regra.
Já existem inúmeros precedentes dos Tribunais Regionais Federais favoráveis aos contribuintes que reconhecem que a imunidade prevista no artigo 149, §2º, inciso I, da Constituição Federal alcança as receitas oriundas de exportação indireta.
De toda forma, a questão ainda será enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu a repercussão geral da matéria atinente à “aplicação, ou não, da imunidade prevista no artigo 149, § 2º, I, da Constituição às exportações indiretas, isto é, aquelas intermediadas por ‘trading companies’”, nos autos do Recurso Extraordinário nº. 759.244/SP. O mencionado recurso representativo de controvérsia foi incluído na pauta de julgamento presencial do Plenário da Corte do dia 06 de fevereiro de 2020.
A decisão final sobre o tema é bastante aguardada pela sociedade, uma vez que poderá ter impacto no desempenho comercial do país, já que pode resultar em perda de competitividade do produto nacional no exterior. Neste aspecto, vale notar que o setor do agronegócio, que será afetado diretamente pela discussão quanto à incidência do FUNRURAL sobre as receitas das exportações indiretas, foi responsável por 46,6% do valor total exportado pelo Brasil no mês de novembro desse ano, segundo informações da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Além do mais, a decisão a ser proferida pela Corte Suprema no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 759.244/SP também deverá nortear a discussão relativa à incidência da CPRB sobre as receitas decorrentes da exportação indireta, que possui os mesmos contornos.
Espera-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito à imunidade assegurada a todos produtores rurais exportadores, sejam aqueles que realizem a exportação diretamente ao adquirente domiciliado no exterior ou aqueles que o façam por intermédio de “trading companies”, sob pena de diminuir a competitividade dos produtos agropecuários brasileiros nas exportações e, assim, prejudicar ainda mais o saldo da balança comercial do país.
Fonte: Jornal Valor Econômico.